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domingo, novembro 27, 2005

Sem Política ninguém sobe nas empresas

A habilidade de fazer alianças é cada vez mais importante para a carreira e os negócios.
Mas atenção: não confunda política com politicagem.


Com uma sinceridade incomum, um ex-presidente de uma multinacional americana com faturamento anual superior a 50 bilhões de dólares desabafa: "A política arruinou minha carreira". Ele não se refere à corrupção do valerioduto, ao ocaso moral do PT nem às dezenas de dirceus e severinos que povoam Brasília. A tal política -- que pode levar um profissional de sucesso à obscuridade -- é o pantanoso jogo de poder existente em qualquer empresa, de qualquer lugar. No cotidiano dos negócios, são inúmeros os exemplos de sabotagens, puxadas de tapete ou conspirações urdidas junto à máquina de café. Até ser promovido a presidente, esse executivo havia sido favorecido nessa dança. "Assim que me sentei na cadeira da presidência, tudo mudou", diz ele. "Tive uma briga insana com os donos. A portas fechadas, tudo parecia normal. Nas reuniões do conselho, porém, eu era atacado por todos." Sua reação foi a menos diplomática possível. Ele simplesmente parou de obedecer aos acionistas. Apesar dos resultados excelentes, acabou demitido. "Não soube ser político, e minha vida como presidente foi curta", afirma.

A fauna política das empresas
Algumas das espécies mais comuns de animais políticos corporativos
Tatu
Não sai da toca. Fica escondido atrás do computador o dia inteiro. Ninguém percebe quando falta ao trabalho. Chega mais cedo, vai embora mais tarde e, para sua surpresa, é invariavelmente passado para trás na hora da promoção. Por isso, sente-se injustiçado e coloca a culpa de sua estagnação na politicagem.
Rato
Sua especialidade é crescer à custa do fracasso alheio. Vê a empresa como um tabuleiro de xadrez. É dissimulado e jura odiar a política corporativa, mas rouba idéias dos colegas e arma arapucas contra eles. Tatus são sua vítima favorita. Quando vira chefe, fica com todo o crédito pelo trabalho da equipe, "aqueles incompetentes, com Q.I. de barata".
Macaco É um conspirador trapalhão. Vive pulando de galho em galho e fazendo intrigas, embora não tenha a habilidade do rato. Discrição não é seu ponto forte. Ocupa a sala do chefe ostensivamente. Faz tanta média, tenta fazer composições com tantas pessoas e é tão atabalhoado que acaba se enforcando no próprio rabo.
Pavão
Essa ave tem uma preocupação: sair bem na foto. É o rei do marketing. Usa ternos sob medida, gel nos cabelos e parece já ter nascido com aquele sorriso falso no rosto. Está sempre em campanha. Suas caprichadas apresentações em PowerPoint causam inveja. Muitas vezes, sua falta de conteúdo só é descoberta quando ele já chegou à presidência.
Raposa
Sabe que, para chegar ao topo, é preciso ser o melhor mas que também é essencial ser visto como o melhor. Articula-se dentro e fora da empresa. É admirado pela equipe e visto com respeito pelos chefes. É particularmente invejado pelos ratos. Na carreira, enfrentará tantos ratos que corre o risco de se tornar um deles.

Esse tipo de história -- ao lado, evidentemente, das peripécias tão comuns entre vereadores, deputados, senadores, prefeitos e quejandos -- contribui para conferir à palavra "política" sua inegável má fama. Nas empresas, ela se tornou sinônimo de politicagem, a milenar arte de prejudicar os outros em benefício próprio e de crescer à custa do fracasso alheio. Os últimos anos foram pontilhados de casos rumorosos de executivos que sacrificaram o desempenho financeiro para levar vantagens pessoais -- o mais recente foi a condenação a até 25 anos de cadeia de Dennis Kozlowski, ex-presidente da americana Tyco, por roubar a empresa e sonegar impostos. Quem é vítima de uma manobra suja no ambiente de negócios ou testemunha a ascensão meteórica de um canalha ou apenas de um notório incompetente -- famoso pela habilidade de fazer média com o chefe -- é forçado a refletir. A empresa não deveria ser um ambiente em que reina a objetividade? Em que os profissionais são avaliados apenas pelo cumprimento de metas? Em que as promoções são definidas com base no mérito e as pessoas são reconhecidas só pela competência? A res posta -- goste-se ou não -- é bastante simples: não. "Toda aglomeração humana se constrói em cima de laços sociais, que não são apenas racionais", afirma Renato Janine Ribeiro, professor de ética e filosofia política da Universidade de São Paulo (USP). "É aí que entra em ação a política."

A politicagem é apenas um lado da política, o mais visível e detestável. Mas há também o lado nobre: a capacidade de se relacionar, de negociar, de se expressar bem em situações diversas, de articular grupos em torno de idéias, de persuadir, de intermediar conflitos e de liderar equipes. Isso nada tem de ruim. A habilidade política pode ser útil tanto para as carreiras quanto para as empresas. Ser político não significa ser admirado, ter boas relações com todos nem ter uma imagem imaculada. Também não significa jogar sujo, passar rasteira nos outros ou operar sem trégua nos bastidores para conquistar espaço. Há um pouco de tudo isso no mundo da política. Mas ele é, acima de tudo, o universo das relações de poder. E o poder é essencial para pôr em prática qualquer projeto. Ser político significa, basicamente, entender e dominar as relações de poder nas empresas. "Todos querem autonomia e liberdade", diz Carlos Melo, professor do Ibmec São Paulo. "Só consegue isso quem tem poder." Em outras palavras -- sem fazer política, ninguém chega ao topo das empresas. E não há nada de errado nisso.

Nos últimos anos, a habilidade política vem ganhando relevância crescente no dia-a-dia empresarial. Um primeiro motivo para isso são as mudanças no ambiente de negócios, mais dinâmico e mais competitivo do que nunca. Num mundo fechado e previsível, era comum passar toda a carreira com o mesmo chefe. Hoje, chefes mudam a toda hora e carreiras têm de ser constantemente refeitas. Um segundo motivo é a mudança dentro das próprias organizações. Antes burocráticas e hierarquizadas, elas passaram a adotar modelos mais abertos. As barreiras entre departamentos e níveis hierárquicos foram enfraquecidas. "Esse novo contexto obriga os profissionais a interagir mais e a tomar decisões que antes eram levadas aos superiores", diz Thomaz Wood Jr., professor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo. Veja o cotidiano da vice-presidente de marketing da MasterCard, Beatriz Galloni: para levar adiante qualquer projeto, Beatriz precisa negociar com a área de finanças, com a de produtos, com um chefe na Venezuela, outro em Nova York e com o presidente da empresa no Brasil. "Você não faz nada sem convencer muita gente", diz ela. Beatriz foi escolhida para o cargo em junho, após uma árdua seleção. "Ela não foi contratada por ser a maior especialista em marketing, mas por ter habilidade para lidar com as outras áreas", diz Adriano Lima, vice-presidente de recursos humanos da MasterCard. "Ser bom tecnicamente só põe alguém no jogo. É a política que faz ganhar."


Como reconhecer um rato
Algumas das táticas utilizadas pelas dissimuladas ratazanas para sabotar sua carreira
• Numa reunião com a chefia, o rato avança sobre suas idéias fingindo querer ajudá-lo. "Você é novo no departamento, não teria como saber, mas há muito já não fazemos assim", diz ele, com um sorriso nos lábios.
• Ingênuo, você conta ao rato que vai apresentar ao chefe uma idéia genial. Dias depois, ele já está tocando o projeto, coberto de elogios dos superiores.
• Espalha uma piada maldosa e boatos sobre você, o que arrasa sua reputação e prejudica sua carreira
• Vive dizendo que você é um gerente indispensável para a equipe. Tão indispensável que você pode esquecer aquela promoção a diretor
• A portas fechadas, o chefe pergunta o que o rato acha de sua promoção. Ele levanta a sobrancelha, faz uma careta e, deixando claro que não considera uma boa idéia, responde: "É, talvez seja um bom nome..."
• Apavorado pelo seu talento, o chefe rato o desloca para um departamento isolado e pouco importante, o que coloca sua carreira em quarentena

Cássio de Paula Freitas -
Fonte: Survival of the Savvy

Um comentário:

  1. Conteúdo muito denso e útil, Cássio. Continue.
    Abrs.
    Lúcio

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