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domingo, novembro 27, 2005

APRENDA A SER POLÍTICO

Atitudes para melhorar sua chance de crescer na empresa

Entenda que a política não é sinônimo de politicagem, e que fazer política não o tornará mau-caráter.
Pense no seu sonho de carreira e em como pretende chegar lá. Se for ao topo, a política vai ser fundamental.
Observe o ambiente, perceba quais são os grupos de poder e como pode trafegar entre eles.
Construa uma rede de relacionamentos. Seus contatos ajudarão a evitar a ação dos ratos
Não tenha vergonha de divulgar seus sucessos e exaltar sua equipe. Se você não fizer isso, ninguém fará.
Ao reconhecer um rato, tome alguns cuidados. Só fale com ele por e-mail, de preferência com cópia para alguém.
Se o rato for seu chefe, a saída recomendada é tentar, sutilmente, conseguir uma transferência.

Assim como a liderança, o talento político é vantajoso não apenas para a carreira de executivos e empresários. Pode ser crucial para o êxito da própria empresa. Quando o paranaense Antonio Maciel Neto assumiu o comando da subsidiária brasileira da Ford, em 1999, a companhia acumulava cinco anos de prejuízos -- uma conta que chegava a 2 bilhões de dólares. A matriz americana considerava o Brasil uma maçã podre, que poderia envenenar o resto da companhia. Os revendedores estavam em pé de guerra, pois a montadora não tinha um carro que elevasse as vendas. A imagem da Ford estava desgastada. O consumidor, insatisfeito. Maciel foi garoto-propaganda da marca na TV e sentou-se à mesa para ouvir as reclamações de funcionários e revendedores. Novos modelos foram lançados. Os ânimos com sindicatos e revendas, apaziguados. No ano passado, a Ford saiu de um período de dez anos no vermelho. A participação de mercado da empresa foi de 9,7%, quando Maciel assumiu, para 13,4%, em agosto de 2005. "Ao falar claramente sobre os problemas, Maciel conseguiu trazer as pessoas para o seu lado", diz um executivo que trabalhou na Ford no início da gestão Maciel. "E fez tudo sem brigar muito."

Isso não quer dizer que Maciel não tenha, como todo político, amealhado seu quinhão de inimigos. Entre eles estão antigos funcionários da Ford antes intocáveis. "A política interna das empresas é a arte de fazer as coisas acontecer", diz Maciel. Essa é, aliás, uma qualidade dos políticos corporativos vencedores. Eles atraem -- muitas vezes, graças a seus méritos e carisma -- uma gama de aliados que o sustentam no poder. Recentemente, além da presidência da Ford latino-americana, Maciel passou a acumular a vice-presidência corporativa da Ford mundial, posição jamais ocupada por um brasileiro. O maior trunfo de um político como Maciel não é evitar o confronto, mas saber estudar as relações de poder e conseguir planejar o tráfego entre os diferentes grupos de interesse.

Em toda empresa, há os grupos conservadores e os arrojados. Os que querem ganhar mercado por aquisições e os que pretendem crescer aos poucos. Os que defendem vender a empresa inteira e os que acham melhor quebrá-la em pedaços. Como partidos, esses grupos atuam para fazer valer suas idéias. "Nas empresas, assim como na política, você se transforma num projeto", diz Antônio Britto, presidente da Azaléia, maior fabricante de sapatos do país, e ex-governador do Rio Grande do Sul. "Na vida pública, tem de convencer os eleitores. Nas empresas, o chefe e as pessoas à volta dele." Algumas companhias têm disputas clássicas. Nas aéreas, os pilotos -- que querem voar menos -- disputam com a equipe de vendas -- que quer fazê-los voar mais. Nas montadoras, os engenheiros -- que querem carros melhores -- enfrentam o departamento de finanças -- que quer carros mais rentáveis. Perceber de que lado está cada grupo é essencial na hora de vender um projeto.

Estudar o mapa de poder é, por si só, uma tarefa complicada. Em nenhum momento, porém, ela é tão complexa quanto na hora em que, de repente, tudo muda. Quando ocorre uma fusão ou aquisição -- evento cada vez mais comum no mundo dos negócios --, tanto os executivos da empresa compradora quanto os funcionários da empresa vendida precisam entender quem manda, quais são os grupos com mais poder e a quem se aliar. Quando AOL e Time Warner juntaram forças, em 2001, o mais destacado executivo da AOL, Bob Pittman, teve uma postura considerada arrogante pela velha-guarda da Time Warner. Iniciou-se uma disputa de poder e Pittman, desarticulado politicamente e incapaz de fazer valer suas idéias, foi forçado a deixar a companhia em 2002. "O executivo tem de saber quem vai se sentir incomodado, que interesses são feridos", diz a pesquisadora Betania Tanure, da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte. "Elaborar esse mapa antes de fazer uma pro posta pode representar a diferença entre sucesso e fracasso." Vale aqui a lógica das velhas raposas da política: só começar uma reunião quando já se conhece o resultado.

Há quem considere a política a muleta na qual se apóia quem não tem competência técnica. Trata-se de uma visão equivocada. "Quem não gosta de política costuma acreditar piamente que seu trabalho será reconhecido", diz Rick Brandon, autor do livro Survival of the Savvy (em português, algo como "Sobrevivência dos espertos"). "Mas, se você não mostra às pessoas o que fez, sua competência pode virar um dos mais bem guardados segredos da empresa." Funcionários apolíticos também atrapalham qualquer grupo. Ao achar que não deve se misturar, que basta entregar o serviço bem-feito, o funcionário tatu -- entocado atrás do próprio terminal de computador -- prejudica o trabalho em equipe. Como é invariavelmente passado para trás na hora da promoção, acaba se transferindo para uma empresa onde supõe que a política não existe. Só que, como ela existe em qualquer lugar, o ciclo de insatisfação se repete. Entender que a empresa é um ambiente político também ajuda os funcionários a se defender da ação dos ratos corporativos -- a versão empresarial do que há de pior no mundo da política. São os ladrões de idéias e projetos, os puxa-sacos e puxadores de tapete profissionais, os que -- na falta de talento, de competência e de esforço -- fazem da intriga o seu meio de sobrevivência. Quem tem aliados espalhados pela empresa fica sabendo mais rápido quando há um rato em ação. Portanto, construir uma rede de relacionamentos pode inibir a ação de quem quer se dar bem à custa dos demais.

Uma diferença fundamental entre a competência técnica e a habilidade política é que a primeira é ensinada nos bancos escolares, e a segunda não. É comum imaginar o bom político como o que liderou a turma de escoteiros, foi escolha consensual para o grêmio estudantil e se diverte cumprimentando todos nos corredores da firma. O senso comum trata a habilidade política como um dom inato. Até certo ponto, é indiscutível que alguns têm mais facilidade no contato com pessoas. Mas os especialistas são unânimes ao afirmar que também é possível aprender a ser político. "A política é uma das habilidades que as pessoas menos entendem", diz Karin Parodi, especialista em gestão de carreira. "É muito comum ouvir profissionais dizendo: 'Sou tão transparente'! Enquanto isso, sua equipe o considera arrogante e grosseiro." O executivo Marcos Torres, presidente da fornecedora de software Amadeus, descobriu isso na prática. Ele foi responsável por iniciar os negócios da operadora de telefonia celular Claro Digital e, por quatro anos, só se preocupou com os resultados. Embalado pelo sucesso, foi tomado por altas doses de arrogância -- algo visto com restrições por subordinados e superiores. Quando a mexicana Telmex comprou a companhia, Torres durou poucos meses no cargo. "Não tive flexibilidade e fui para o sacrifício", afirma. Diz ter refletido sobre a carreira por seis meses, chegando à seguinte conclusão: faltava-lhe a capacidade de ouvir os outros, de entender suas motivações e de perceber a importância da política. "Eu tinha a competência técnica, mas não sabia lidar com as pessoas", diz ele. Segundo amigos, Torres conseguiu rever sua postura e, hoje, obtém resultados na Amadeus sem se indispor.


Da escola ao primeiro nível de gerência, ter um bom desempenho técnico é, indiscutivelmente, o requisito mais importante para crescer na carreira. É considerado o melhor aquele que tira boas notas na prova, se destaca na faculdade, cursa o MBA mais disputado, faz o melhor projeto, torna-se o trainee mais eficiente. Quando o profissional assume um cargo executivo, no entanto, tudo muda. A partir daí, o eixo da carreira passa a ser a relação com as pessoas -- a tal política --, e não com o computador. Ele se transfere de algo men surável e objetivo -- como um boletim ou uma planilha de metas -- para algo subjetivo. Quem lidera equipes passa parte do tempo administrando egos, ambições, brigando por mais espaço e negociando projetos. Por isso, é tão comum ver a promoção não do funcionário mais técnico ou daquele que consegue resultados a qualquer custo, mas de outro mais hábil politicamente ou que tenha melhor imagem com a equipe. "Parece uma injustiça, mas não é", diz Max Gehringer, palestrante e ex-colunista de EXAME. "Quando uma empresa promove alguém, pensa num plano de longo prazo. Quem é apenas competente tecnicamente, se promovido, permanecerá na nova função por muito tempo e bloqueará a ascensão de novos talentos. Alguém promovido por sua competência política continuará ascendendo. E liberará espaço para que outros subam."

Quanto mais alta a posição do executivo na carreira, portanto, mais política é a sua função. "As atribuições do cargo de presidente são essencialmente políticas", diz Manoel Horácio Francisco da Silva, presidente do Banco Fator. Entre elas, estão lidar com o mercado financeiro, com a imprensa, ser responsável pelo discurso oficial da empresa e, principalmente, acomodar o interesse dos acionistas -- ter o maior lucro possível -- com o dos funcionários -- aumentar seu quinhão nesse lucro. Muitas vezes, uma briga entre sócios ou um desentendimento entre pais e filhos numa empresa familiar torna a missão de um presidente equivalente à de um chumaço de algodão entre taças de cristal. Horácio deixou a presidência da Telemar em 2001 após um desencontro entre a visão dele e a dos sócios sobre o futuro da empresa. "Você está sempre equilibrando suas idéias com as dos outros", diz ele. "Fui político até o ponto que tinha de ser." Quando os dois lados não abrem mão, é declarada a guerra. Na Disney, há três anos Michael Eisner, presidente da companhia, vinha brigando com os herdeiros do fundador da empresa, Walt Disney. Roy Disney, sobrinho de Walt, chegou a usar uma página na internet (savedisney.com) como tribuna para atacar Eisner. Recentemente, o sucessor apontado por Eisner, Bob Iger, surpreendeu o mercado ao costurar um acordo com Roy. Seu estilo diplomático, antagônico ao de Eisner, tem acalmado os ânimos na empresa.

Centenas de livros tentam ensinar como se tornar um profissional hábil politicamente. Boa parte deles explora o que há de pior no assunto -- O Que Faria Maquiavel e The Way of the Rat (O caminho do rato) mostram, passo a passo, como virar um canalha do mundo dos negócios. Para quem quer agir politicamente sem se transformar em rato, os especialistas têm algumas recomendações básicas. A primeira -- e talvez a mais importante -- é admitir que a política existe, que será um fator fundamental na carreira e que nem toda política é má. "A política é a interação negociada entre as pessoas", diz Sigal Barsade, pesquisadora da escola de negócios Wharton, uma das mais renomadas do mundo. "Não precisa ser maquiavélica ou sinistra." Feita essa constatação, o próximo passo é definir para onde se quer ir. "Procure descobrir quem são os personagens importantes nesse caminho e qual é sua imagem", diz a professora Betania Tanure, da Dom Cabral. Em resumo, trata-se de conhecer sua fama: de preguiçoso, de técnico inveterado, de arrogante. Se a fama for injusta, o único remédio é trabalhar para mudar essa percepção. Se for justa, o problema é um pouco maior.

Outra atitude recomendada é sair da postura extremamente introspectiva, típica dos tatus, e passar a divulgar seus feitos. Nesse caminho, o risco é parecer ridículo. Assim como é perigoso inventar um candidato apenas com base em cálculos eleitorais, não dá para sair batendo bumbo pelos corredores nem apostar tudo no marketing pessoal, muito menos investir forças para cavar aquela notinha no jornal da empresa. Não adianta fingir ser outra pessoa. "Em vez de dizer 'olhe como eu sou bom', diga 'olhe como esse projeto que desenvolvi pode te ajudar'", afirma o especialista Rick Brandon. Há também o risco de ser visto como político, mesmo que sua atuação seja ética e boa para a empresa. EXAME falou com uma dezena de altos executivos, no caso de alguns deles sob a condição de anonimato. Outros preferiram -- talvez para não parecer políticos demais -- não falar sobre o assunto a EXAME: caso de José Carlos Grubisich, da Braskem, e de Alain Belda, da Alcoa. "Um bom político sabe aparecer e, também, sabe a hora de sair de campo", diz o headhunter Dárcio Crespi, da Heidrick & Struggles.

Finalmente, é importante não atribuir à política poderes que ela não tem. Não se trata do único requisito para o sucesso. No debate de idéias sobre o futuro da empresa -- algo subjetivo --, sempre vence o melhor político. Mas é só quando esse futuro chega que se sabe se a aposta estava certa. Muitas vezes, quando alguém hábil diplomaticamente alcança o topo, descobre-se sua falta de competência. E aí o erro pode se revelar trágico. Nessa hora, sem conhecer o mercado ou medir as conseqüências de suas decisões, o presidente mais político pode naufragar. Quando a americana Carly Fiorina enfrentou o conselho de administração da Hewlett-Packard para aprovar a compra da Compaq, obteve inegável vitória política. Os fatos, no entanto, só atrapalharam. A aquisição trouxe resultados decepcionantes, o que levou o conselho a demitir Carly, então uma das mulheres mais poderosas do mundo. Mas todos perdem quando se deduz daí que a política é monopólio dos incompetentes ou dos sem-caráter. Como escreveu o filósofo grego Platão: "O preço que os homens de bem pagam pela indiferença aos assuntos políticos é ser governados pelos maus".

Um comentário:

  1. Cássio, simplesmente um dos melhores textos que já li na Internet ou até mesmo em revistas especializadas no assunto.

    Infelizmente os ratos ainda são os que conseguem crescer.

    A pergunta que fica é: Será que vale virar um rato ?

    Grande abraço,

    JAS

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